26.3.10

A morte de Inês de Castro


Os tristes inocentes
À triste mãe se abraçam,
E soltam de agonia inútil choro.
Ao suspiro exalado,
Final suspiro da formosa extinta,
Os Amores acodem.
Mostra a prole de Inês, e tua, ó Vénus,
Igual consternação, e igual beleza:
Uns dos outros os cândidos meninos
Só nas asas diferem
(Que jazem pelo campo em mil pedaços
Carcases de marfim, virotes de oiro).
Súbito voam dois do coro alado:
Este, raivoso, a demandar vingança
No tribunal de Jove;
Aquele a conduzir o infausto anúncio
Ao descuidado amante.
Nas cem tubas da Fama o grão desastre
Irá pelo universo.
Hão-de chorar-te, Inês, na Hircânia os tigres;
No torrado sertão da Líbia fera,
As serpes, os leões hão-de chorar-te.
Do Mondego, que atónito recua,
Do sentido Mondego as alvas filhas
Em tropel doloroso
Das urnas de cristal eis vêm surgindo;
Eis, atentas no horror do caso infando,
Terríveis maldições dos lábios vibram
Aos monstros infernais, que vão fugindo,
Já c'roam de cipreste a malfadada,
E, arrepelando as nítidas madeixas,
Lhe urdem saudosas, lúgubres endeixas.
Tu, Eco, as decoraste,
E, cortadas dos ais, assim ressoam
Nos côncavos penedos, que magoam:
Toldam-se os ares,
Murcham-se as flores;
Morrei, Amores,
Que Inês morreu.
Mísero esposo,
Desata o pranto,
Que o teu encanto
Já não é teu.
Sua alma pura
Nos Céus se encerra;
Triste da Terra,
Porque a perdeu.
Contra a cruenta
Raiva íerina,
Face divina
Não lhe valeu.
Tem roto o seio
Tesoiro oculto,
Bárbaro insulto
Se lhe atreveu.
De dor e espanto
No carro de oiro
O Númen loiro
Desfaleceu.
Aves sinistras
Aqui piaram
Lobos uivaram,
O chão tremeu.
Toldam-se os ares,
Murcham-se as flores:
Morrei, Amores,
Que Inês morreu.

Bocage, Cantada à Morte de Inês de Castro

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